segunda-feira, 30 de março de 2009

Quíron - Part.2



Quiron era um centauro.
Um centauro que fazia o bem, que era
amigo dos homens, o que o distinguia
dos demais. Um dia os centauros travaram
tremenda luta com Héracles e este,
acidentalmente, feriu Quíron com uma
flecha. E Quíron era amigo de Héracles e
Héracles era amigo de Quiron. Vãos
foram todos os esforços para aplacar a
dor do ferimento - pois incurável era o
ferimento que uma flecha de Héracles
provocava. E Quíron, pobre Quíron,
sofria dores terríveis, tão terríveis que
passou a desejar ardentemente a morte.
Mas Quíron, o bom centauro, era imortal.
Centauros eram animais
mitológicos, metade cavalo, metade
homem. Viviam livres nos montes
alimentando-se de carne crua. Sua metade
equina significava tanto quanto a outra , a
humana - daí a estranha brutalidade do
zooantropomórfico monstro.
Embriagavam-se com frequência e
raptavam mulheres. Sua metade humana -
o tronco, os braços e a cabeça - brotavam
do cavalo como uma flor no jarro. Na
maioria das vezes o cavalo vencia: vencia
a metade ausente do homem. Eram
monstros hediondos e anti-socais,
raptavam noivas e esposas, careciam
ser exterminados. Mas Quíron era um bom
centauro; amigo dos homens, ensinava-lhes
música e moral. Acidentalmente o
ferira Héracles, seu amigo. E sofria dores
atrozes e desejava morrer. Mas Quíron, o
bom centauro era imortal.
O cavalo, companheiro histórico
do homem, foi por excelência o meio de
transporte. Poder-se-ia naturalmente
associar a invenção do centauro ao ideal

estratégico do cavaleiro perfeito, do
autocavaleiro - do homem a cavalgar-se.
Mas um centauro é muito mais profundo:
é a luta do homem com suas vísceras. Ou,
mais suscintamente, a batalha do cérebro
contra os testículos. Quíron era um bom
centauro - médico, poeta, moralista.
Ferido imortalmente, ardia de desejos por
morrer. Mas não podia.
Em todo ser as duas forças
básicas, razão e instinto, só se
harmonizam com a supressão de uma ou
a sublimação das duas. Quíron, um
moralista por certo dominara o ímpeto
do quadrúpede. Fadado à sociedade - foi
professor de Aquiles, de Asclépio e
mesmo de Apolo - recebeu dela os
aplausos: consideravam-no sábio. Mas
uma dor enorme o abatia. Diasa fio,
eternidade a fora, a carregar o sofrimento
físisco. Uma noite, olhando uma
constelação da Via Láctea, pensou na sua
vida. Remorsos afloraram-lhes aos olhos,
os lábios contorceram-se num soluço: que
uma dor maior se avizinhavam. E Quíron
disse: "Se a dor, essa terrível dor,
o permitisse, desmancharia tudo o que já fiz,
renegaria tudo o que ensinei. Pois a
verdade, só agora a descobri." E, então,
chorou. E desejou morrer, Quíron, o
centauro mas não podia.
Morrer, para um iomortal, só era
exequível havendo alguém que arcasse
com a imortalidade. Conta-se o mito que
o herói Prometeu, nascido um mortal e
não querendo sê-lo, cedeu a Quíron o seu
direito à morte. Quíron, enfim liberto, foi
habitar no céu sob a forma da grande
constelação de Sagitário

Obs: Texto retirado de '
A FÁBULA DE QUÍRON' - Antonio Brasileiro

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